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FREI ANTONIO CURCIO, O GRANDE MESTRE!


Frei Antonio Cúrcio
 Por - Élio Ferreira ( Natural de Floriano/PI, Professor de Literatura na UESPI, Doutor em Letras pela UFPE )

 Mestre, soube da notícia à noite, no mesmo dia do seu passamento. Não lhe falei do carinho, do respeito, da veneração que sempre tive pelo senhor. Julgo que não seria necessário confessar-lhe esse sentimento, embora sinta uma vontade incontrolável de declarar-me. A última vez que nos encontramos, foi no Teresina Shopping, aqui em Teresina, há três ou quatro anos, se não me engano. O senhor estava na companhia da estimada Professora Rubenita e de outras pessoas conhecidas. Foi grande a emoção. Abracei-lhe fortemente. Beijei-lhe a testa. Ah! Aquele encontro foi um dos mais emocionantes da minha vida. Uma sensação de filho pródigo tomou conta do meu coração, do meu corpo inteiro. Deveria tê-lo visitado mais vezes. Mas não o fiz. Foram infinitas as vontades que senti de ir à sua casa, ao Colégio Industrial São Francisco de Assis, em Floriano, para um reencontro, um abraço amigo. Há coisas que não se deixam para amanhã. O senhor sabe muito bem disso e sempre nos alertou acerca das obrigações e tarefas escolares. “Tempo é ouro, não percam tempo, meninos. Estudem”. Todos serão profissionais no futuro. O bom profissional não negligencia seus compromissos. O senhor nos encantava com as lições de vida, os relatos de experiência, os inventos de eletrônica, com sua perseverança e sonhos inabaláveis. Tenho um poema para o senhor, recriado das suas aulas de eletricidade e eletrônica. Nunca lhe mostrei. Escrevi-o em Brasília, em 1976:
Prezado

Eu sou o elétron,
Que se despreendeu da eletrosfera,
E desgarrado,
E triste,
E perdido,
Precipitou-se,
No vácuo que existe,
Para o além das camadas eletromagnéticas.

Agora, Frei Antônio, um amigo me telefona e diz que o senhor partiu. Faltam-me as pernas. Mantenho-me em silêncio. O amigo me consola do outro lado da linha. A vida é assim mesmo... Um dia partimos. Na manhã seguinte, pego a BR, dirijo meu carro sozinho na direção de Parnaíba, no sentido  oposta a Floriano, onde jaz. Minha mulher e a minha filha me dizem que é perigoso dirigir sozinho na estrada. Mas não negligencio os meus compromissos. Dediquei ao senhor minha palestra sobre Literatura Afrodescendente: a narrativa escrita de escravos negros do Brasil, Estados Unidos e Cuba, no IV Fórum Internacional de Pedagogia em Paraíba. Enquanto dirijo, ouço música e penso o tempo todo, meus olhos ficam cheios d’água. Há tempos não me sentia assim. Prezado Mestre, o senhor deixou o seu país para trás, a sua terra natal, num certo lugar da Itália, pais, irmãos, parentes, amigos. Não sei se ainda lembra quando nos conhecemos. Eu era criança. O senhor foi à oficina de ferreiro do meu pai, Aluízio Ferreira, para que fossem feitas as tesouras, as armações de ferro para a sustentação do teto do seu tão sonhado e querido Colégio Industrial, que estava em construção. Isso por volta dos últimos meses ou dias de 1968. No início do ano seguinte, iniciaram-se as aulas com duas turmas de quinta série, inaugurando-se uma nova história no cenário da educação de Floriano. Eu era menino, o puxador de fole para o ferreiro esquentar o ferro na forja da oficina. Este ferreiro era o meu pai, que falava do sonho de me fazer doutor. Ele também era o meu sábio contador de histórias. Frei Antônio, os seus olhos brilhavam, o senhor falava como quem fosse “um encantador de serpentes”, tal qual, hoje, digo – um griot africano narrando histórias e eventos de sua aldeia. Fui encantado pelas suas palavras ali mesmo na oficina. No ano seguinte, tornava-me aluno-fundador da sua escola. Deve lembrar que, logo no primeiro ano, nós, alunos, fizemos o campinho de futebol. Fiz parte da banda musical, do coral, do jornal escolar. Aprendemos a fazer o nosso rádio com fone de ouvir. Éramos mais ou menos entre sessenta a setenta alunos e alunas, uma irmandade. Pobres de dinheiro e ricos de coragem, solidários. Depois, o Industrial cresceu, afirmou-se como ensino de qualidade incontestável, sobretudo, com a boa performance dos alunos egressos nos exames de vestibulares e como profissionais dentro das fronteiras ou além-fronteiras do Piauí. Prezado Mestre, foram quarenta e quatro anos, quase meio século de dedicação ao ensino e à vida da cidade de Floriano. São tantos professores, advogados, engenheiros, jornalistas, médicos/as, enfermeiros/as, mestres, doutores/as, poetas, escritores, profissionais, pessoas de bem que receberam essa dádiva, o legado da sua coragem, os seus ensinamentos e sabedoria. Por último, quero dizê-lo que a árvore que o senhor plantou é como o Baobá, perdurará séculos. Da semente daquele Baobá, germinaram muitos outros Baobás amigos. Frei Antônio, muito obrigado por tudo! Descanse em paz.

Teresina, 03 de julho de 2012.





Comentários

gilberto lima disse…
Gostei muito da homenagem póstuma feita pelo colega Hélio ao saudoso Freio Antonio.

É inegável os méritos do citado vigário, posto ter revolucionou o ensino na cidade de Floriano, no finalo da década de 68 do século passado, principalmente com mestre e um dos fundadores do Colegio Industrial, um fato extraordinário para a época.

Gilberto de Moura Lima.

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