Extraído do Jornal O Popular, edição de 17 de junho de 1934
Floriano, 13 de junho de 1934
Eleutério Rezende
Ao
reboarem os estampidos de foguetões denunciadores do proximoappaericimento no
céu de Floriano do primeiro aeroplano, a sua população, numa onda de
enthusiasmo, começou a despejar-se apressadamente por diversas vias rumo ao
campo de aviação. Estando eu na fronteira da Villa Maranhense e supondo não
haver tempo para transportar-me ao local da aterrissagem do apparelho,
dirige-me com algumas creanças ao Morro de PaeDominguinho afim de apreciarmos
melhor as evoluções da machinavoadora.
Encontramos
alli uma senhorita com outras creanças. Espernado, conversávamos a contemplar o
panorama soberbo que dalli descortina: - a leste, norte e oeste amatta verde e
os lucidos reflexos das aguas do Parnahyba que,tortuoso, coleante, semelha
monstruosa serpente prateada a deslisar, lenta por entre as arvores viçosas; ao
sul o agrupamento confuso e abranquejadoda casaria da cidade; a sudoeste, um
pouco além, o campo apinhado de pontinhos claros que se adivinhava serem pessoas.
De
repente um lenhador que trabalhava no sorbé do morro, interrompendo a labuta,
exclamou: - Estou ouvindo uma zuada! ... É o avião! ... Prestamos attenção e
ouvimos effectivamete o zumbido da helice ao longe. Immediatementeum dos
meninos exclama: apontando para o norte: - Lá vem! ... mais augmentava
rapidamente e dentro de poucos instantes aproximava-se de nós. As creanças, não
podendo conter as manifestações da admiração que lhes empolgava, gritavam,
saltando a gesticular desordenamente; e presas do enthusiasmo, fizemos côro com
a criançada quando o aparelho majestoso, sereno passou celebre, sobre as nossas
cabeças, desenhando a sua silhueta no azul, como uma afirmação victoriosa da
capacidade creadora do homem, como uma promessa imensa para o futuro...
E
elevando o pensamento, justifiquei aquela loucura: - Aquillo era relamentebello
e era um pedaço de nós mesmos, era a amostra da nossa grandeza, da nossa
preponderância, da gloria do Brasil no concerto universal! ...
Gloria!!!...
exclamei, lembrando-me do genial brasileiro que consumira toda a sua existência
por aquella concretização; que passara tantas noites num trabalho intelectual
exaustivo, com o cérebro quente a solucionar no seu gabinete, problemas incalculáveis,
emquanto outros gosavam as delicias do repouso.
Mas,
oh! ... uma tristeza amarga prepassou-me, pela mente: compreendi a sua imensa
desilusão, a sua grande dor: Em vez da
grande invenção,
- Traço
vivo de união- Tornando em rápida fuzão. A terra uma só nação, Creara, sem
perceber, da guerra um novo poder.
Ouvi
seus gritos de agonia, os seus lamentos protestando com toda a grandeza de seu
coração de brasileiro, perante todos os povos cultos, contra o aproveitamento
de sua invenção como arma de guerra, para destruir em vez de construir.
Vislumbrei-o
depois a definhar lentamente, desatendido e despresado por todos, até o dia da
horrível tragédia final da sua vida de sofredor moral, narrada por Mattos
Pimenta; Sobre o céu límpido e brando daquele majestoso dia de julho, voavam
dois aviões da Marinha.
.... ao
longe o Forte de Itaipus espreitava o
oceano. Na orla do litoral, tropas paulistas moviam-se vigilantes, em atitude
belicosa.
Era
constrangedor á nossa consciência o espectaculodaquelles elementos de guerra e
de extermínio, mobilisados para uma luta encarniçada entre irmãos.
Foi
certamente uma visão compungente, daquellas que levou Santos Dumont a desertar
da vida, pendendo o corpo em uma gravata, no Hotel de Guarujá. Sobre sua mesa,
escripta de seu próprio punho, encontrou-se a mensagem que ele dirigira pouco
antes ao poso brasileiro e que assim terminava: ... Apello de quem, tendo
sempre visado a gloria de sua pátria dentro do progresso harmônico da
humanidade, julga poder dirigir-se em geral a todos os seus patrícios, como um
crente sincero em que os problemas de ordem politica e economia que ora se
debatem, somente dentro da lei magna, de forma a conduzir nossa pátria á
superior finalidade de seus altos destinos.
Ao
digno interventor Landry Salles, devemos agradecer por esse acontecimento
prenunciador de progresso em nossa terra e tambem ao honrado prefeito dr.
Theodoro Sobral, ao qual lembramos, sem que nos possam acoimar de intrometidos,
o nome do glorioso inventor para o novel campo de aterrissagem, ao menos como
uma das raras homenagens deste pais ingrato que tão pouco o tem glorificado e
ao quelelle tanto elevou perante os olhos do mundo culto.
Apoio e Pesquisa: Centro Cultutal Laboratório Sobral - Sempre resgatando a Memória de Floriano