A região onde nasci no Maranhão é uma projeção da antiga freguesia de Nossa Senhora da Vitória da Vila da Mocha, depois Oeiras do Piauí. Passados dois séculos, erguida Floriano à barranca direita do Parnaíba, mais próxima, assumiria esta o papel de referência citadina maior sobre aqueles sertões dos “pastos bons”, dadivosos, repartidos em várias municipalidades muito distantes da capital, São Luís.
Do ponto de vista de sua formação, nada é diferente entre a vida sertaneja de um e do outro lado nesse Médio Parnaíba. E desde fins do século XIX, Amarante, e Floriano ainda mais, sob os impulsos da navegação a vapor, tornaram-se centros de comércio e civilidade, atraindo em sua dinâmica, sobretudo, todo o leste-sul maranhense e o sul piauiense.
Quando eu nasci e “me entendi”, Floriano era essa referência luminosa em nossas vidas. Mais: minha família – lado dos Fonseca, chegada à região por volta de 1822 – está entroncada na Passagem da Manga, nucleada nos hoje municípios de São Francisco do Maranhão e Barão de Grajaú, sendo a parte piauiense dela ramificada a partir do município histórico de Jerumenha. Muitos desses Fonseca, sobretudo os aquinhoados de terra, estão presentes na ação fundadora dos próprios municípios da Manga/Floriano (1864/1890), São Francisco (1870) e Barão (1904/11). Minha mãe nasceu a cinco léguas de Floriano, nos limites de São Francisco e Barão e conheceu Amarante e Floriano ainda na juventude.
Aos doze anos conheci Floriano, nos anos 60. Tinha um tio em Barão que me trazia de Passagem Franca para breves temporadas de férias. Era uma sensação andar pela “cidade-luz” da memória de minha mãe e de onde chegavam à Passagem os caminhões carregados disso e daquilo, os viajantes, médicos, ônibus (do Pedro Caetano) e o misto (do Cícero), livros e revistas. Onde iam estudar os filhos da aristocracia municipal passagense. No dia mesmo em que nasci, um médico florianense muito querido esteve em minha cidade “pegando” a filha do vice-prefeito que naquele dia, com muito sofrer, também viria ao mundo.
Em Floriano entrei pela primeira vez numa sala de cinema, Cine Natal: antessala com espelhos e porteiro impecavelmente vestido, bombons (tinha curiosidade de saber o que eram os “drops”), tela imensa, “cinemascope”. Na calçada do Cine, banquetas com livrinhos de bolso, “os fbis”, novos, e muitos deles usados e disponíveis para as troca, locação,etc. Ao lado uma sorveteria e picolés nos palitos. Numa outra esquina uma “farmácia” com todo tipo de garrafas, garrafões e tubos retorcidos com produtos coloridos. Vi ali pela vez primeira uma freira, em hábitos (mesmo traje das imagens de Santa Teresinha de Jesus existentes nas igrejas de São Pedro de Alcântara e de Santo Antonio –no Barão). Vi os “automóveis”, isto é, os “carros de passeio” que chamavam de “baratinha”, “rabo-de-peixe” e “cadilac”. Tinha curiosidade de saber como que era um “Banco”, Bomba de Gasolina e as casas que chamavam de “bangalô”: em Floriano vi tudo isso. E mais várias coisas de cidade grande.
No universo mental e das falas da minha “nesga de sertão”, sobretudo do povo do campo, a maioria, invocava-se a importante cidade piauiense (nossa metrópole) com a declinação feminina de “Floriana”: vou para...; comprei isso ou aquilo, em...; foi estudar... É um jeito ou traquejo de falar, assim como nas formas pretéritas, no sobrenome das mulheres não se escrevia, por exemplo, Veloso, mas sim, Velosa, Cardoso e sim Cardosa, Franca, Coelha, Brandoa, Granjeira.
Também o namoro na praça de Floriana dizia-se que era devasso; poucos pais se atreviam deixar as filhas por lá p. estudar. Até saiu um “romance” de cordel, proscrito, e de muito sucesso, chamado exatamente assim: “O namoro na praça de Floriano”. Mas disso falaremos noutras ocasiões. Agora, interessa parabenizar a “Cidade-Floriano”, razão da paráfrase do título. Afinal, minha menção de amor é à princesa e não ao marechal.
Fonte: acessepiaui.com.br