HONESTIDADE ACIMA DE TUDO
Por: Salomão Cury – Rad Oka
Viveram
em Floriano dois irmãos originários da cidade de Khabab, Síria.
Chamavam-se Moisés e José Knaer. Ambos vieram muito jovens, tentar a
vida junto de patrícios já estabelecidos no Brasil. Moisés veio da
Síria, casado com uma moça da família Lobo, chamada Carminha, mas José
veio solteiro.
Em terras brasileiras, Moisés colocou um
movimentado e luxuoso cassino num dos salões do Edifício Calisto Lobo
Matos na esquina da Avenida Álvaro Mendes ( hoje, Getúlio Vargas ) com a
rua Alfredo Estrela. Este é o último casarão de Floriano com pórtico
escrito em árabe.
José era uma figura mais tímida. Começou a
mascatear até se casar com uma jovem chamada Maroquinha Frejat, oriunda
de uma família de personalidades inteligentes e de boa casta. Algum
tempo depois da lua de mel, estabeleceu-se com uma pequena loja na
movimentada rua São Pedro, fazendo-a prosperar e crescer razoavelmente.
No
tempo em que mascateou, usou, para transporte das mercadorias, do
auxílio de uma larga carroça de madeira, puxada por um jumento branco
que tinha o sugestivo nome de “ Massári “ ( do árabe: dinheiro ). Iam
com esse burrinho para várias regiões do meio norte, incluindo no
itinerário cidades como Jerumenha, Guadalupe, Nova Iorque, São João dos
Patos, Amarante, São Francisco e Flores.
Assim que se casou, José
ainda chegou a levar a esposa em algumas dessas andanças. Apesar do
sofrimento da viagem, a jovem Maroquinha adorava a companhia do marido
carcamano como ela. Na última dessas viagens, acompanhado da esposa, a
carroça ia abarrotada das mais diversas mercadorias e o pobre asinino já
estava estafado. No limite de suas forças, subindo uma ladeira
razoavelmente íngreme, o pobre massári meteu uma das patas num buraco
fundo o suficiente para quebrá-la e o casal não teve outra alternativa,
senão sacrificar o animal.
O desespero chegou na mente do
laborioso Knaer. Como resolver aquela situação? No pé de uma ladeira,
com a carroça cheia, sem jumento, longe de casa e acompanhado da esposa.
Pensou em pedir ajuda ao irmão Moisés, mas naqueles tempos, não se
dispunha de telefonia. Se pelo menos o seu Milad Kalume estivesse ali
para consertar o pé do animal, não seria necessário sacrificá-lo. Ainda
cogitou a hipótese de vendê-lo, mas não acharia comprador pra tanto
charque.
A solução para um problema tão sério seria pedir
emprestado um jumento para continuar a viagem. Acontece, porém, que o
matuto típico daquelas paragens já estava ficando por demais sabido e
ninguém se prontificou a “ emprestar “ um animal. A grande maioria só
queria vender ou trocar pela mercadoria do carcamano. Ora, a mercadoria
valia muito mais que 30 ou 40 burrinhos, e o carcamano, apesar de não
ter dinheiro ainda, por estar no começo da viagem, achou por bem comprar
um animal novo assim que fizesse suas primeiras vendas naquele
lugarejo.
A notícia de que o árabe estava precisando de um
jumento correu rápido na cidade e seus habitantes entraram em combinação
de não comprarem nem mesmo uma agulha na mão do carcamano, para
forçá-lo a um mau negócio. Das duas uma: ou ele trocaria a mercadoria
inteira com alguém, ou faria um queima, vendendo tudo a preço de custo.
Não tendo alternativa, José Knaer já ia fazer uma liquidação, mas foi abordado pelo padre da cidade antes. O vigário lhe disse:
- É você o carcamano que está sem jumento?
-
Sim, senhor padre, sou eu mesmo. Sua paróquia está se aproveitando da
minha situação, me obrigando a vender minha mercadoria em condições que
terei um prejuízo enorme! Sou recém casado e esta é minha esposa. Como
poderei dar-lhe conforto se estou a ser explorado na sua cidade?
E o padre respondeu:
-
É realmente muito errado o que os fies da minha igreja estão fazendo
com o senhor. Jesus nos deixou a parábola do bom samaritano, onde
aprendemos que se deve ajudar até os inimigos, se estes necessitarem.
Pois bem, carcamano: hoje você é meu próximo. Tenho um jumento que uso
para alcançar as famílias que moram mais distantes da igreja. É um
animal velhinho, mas que estimo muito e, certamente, vai poder lhe levar
até um lugar onde você possa resolver o seu problema ou até mesmo de
volta para casa. Mas fique sabendo que quero sua palavra de honra que em
breve o terei de volta são e salvo.
- Logicamente o senhor a tem, padre. Palavra de honra! Juro pela cruz! – e puxou um crucifixo de ouro do pescoço e o beijou.
Pegou
o burrinho pelo cabresto e o atrelou à carroça. Pôs a mulher encima e
começou a tocar o animal, que ia, num esforço hercúleo, puxando a pesada
carga.
No fim do caminho de volta para casa, porém, o casal foi
atacado por um enxame das perigosas abelhas africanas, que começou a
picar-lhes em todas as partes descobertas. José apressou-se em auxiliar o
jumento em detrimento da mulher, que estava em verdadeiro desespero
encima da carroça. A cara da carcamana estava literalmente preta de
abelhas e ela gritava feito louca todo tipo de algaravia com a língua
enrolada, enquanto José soltava o burrico do padre e dava-lhe umas
chibatadas pra que pudesse correr livre.
Só então é que socorreu a
mulher, que a essa altura, já estava desmaiada. O rosto estava
irreconhecível, mas José pegou-a no colo, desceu carroça apressadamente
gritando por alguém que pudesse acudir-lhes. Passava pela estrada um
senhor com uma charrete que lhes rendeu os primeiros socorros e os
conduziu para o Hospital Miguel Couto, onde foram devidamente recebidos.
O tratamento da mulher foi difícil. Disseram a Kanaer que se tratava de
uma doença chamada choque anafilático e que era grave sua condição.
José gastou mundos e fundos para salvá-la, mas conseguiu.
Quando o
susto passou e a mulher teve alta, o irmão de José, que se chamava
Moisés foi visitá-los. Na oportunidade, disse ao irmão:
- Mas, José,
como é que tu socorres primeiro o jumento e deixa tua mulher ser comida
pelas abelhas? Tu ta doido? Repara, agora, a despesa que fizeste…
José nem titubeou. Arrematou o assunto com a seguinte máxima:
- Acontece, Moisés, que somos gente muito honesta! Fique sabendo que o jumento era emprestado e a mulher é minha!
Fonte: Jornal a Voz de Floriano
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Comentário(s):
Esta historia sobre o floclore árabe, me fez lembrar um "causo" atribuído ao velho Salamão Mazuad, grande comerciante do passado estabelecido na Princesa do Sul.
Na década de 60, Salomão estava ampliando suas instalações comerciais, daí que tinham muitos operários na construção da obra.
Um deles era Expedito, pedreiro morador do bairro manguinha, que carregava os seus instrumentos de trabalho em um cofo.
Certo dia, Expedito chegou para começar a sua jornada na construção de Sr. Salomão, e este desconfiado de poder ser furtado por Expedito, de forma diplomática, assim se pronunciou:
"amiga, tu é honesta, más cofa tua é ladrona, deixa cofa fora".
Como se observa, o velho carcamano era uma figura ímpar.
Fraterno abraço.
Gilberto Lima, São Luís-MA.