Pular para o conteúdo principal

O primeiro avião de Floriano

Primeiro avião em Floriano


Ao reboarem os estampidos de foguetões denunciadores do proximo  appaericimento no céu de Floriano do primeiro aeroplano, a sua população, numa onda de enthusiasmo, começou a despejar-se apressadamente por diversas vias rumo ao campo de aviação. Estando eu na fronteira da Villa Maranhense e supondo não haver tempo para transportar-me ao local da aterrissagem do apparelho, dirige-me com algumas creanças ao Morro de Pae Dominguinho afim de apreciarmos melhor as evoluções da machina voadora.

             Encontramos alli uma senhorita com outras creanças. Espernado, conversávamos a contemplar o panorama soberbo que dalli descortina: - a leste, norte e oeste a matta verde e os lucidos reflexos das aguas do Parnahyba que, tortuoso, coleante, semelha monstruosa serpente prateada a deslisar, lenta por entre as arvores viçosas; ao sul o agrupamento confuso e abranquejado da casaria da cidade; a sudoeste, um pouco além, o campo apinhado de pontinhos claros que se adivinhava serem pessoas.

            De repente um lenhador que trabalhava no sorbé do morro, interrompendo a labuta, exclamou: - Estou ouvindo uma zuada! ... É o avião! ... Prestamos attenção e ouvimos effectivamete o zumbido da helice ao longe. Immediatemente um dos meninos exclama: apontando para o norte: - Lá vem! ... mais augmentava rapidamente e dentro de poucos instantes aproximava-se de nós. As creanças, não podendo conter as manifestações da admiração que lhes empolgava, gritavam, saltando a gesticular desordenamente; e presas do enthusiasmo, fizemos côro com a criançada quando o aparelho majestoso, sereno passou celebre, sobre as nossas cabeças, desenhando a sua silhueta no azul, como uma afirmação victoriosa da capacidade creadora do homem, como uma promessa imensa para o futuro...

            E elevando o pensamento, justifiquei aquela loucura: - Aquillo era relamente bello e era um pedaço de nós mesmos, era a amostra da nossa grandeza, da nossa preponderância, da gloria do Brasil no concerto universal! ...

            Gloria!!!... exclamei, lembrando-me do genial brasileiro que consumira toda a sua existência por aquella concretização; que passara tantas noites num trabalho intelectual exaustivo, com o cérebro quente a solucionar no seu gabinete, problemas incalculáveis, emquanto outros gosavam as delicias do repouso.

            Mas, oh! ... uma tristeza amarga prepassou-me, pela mente: compreendi a sua imensa desilusão, a sua grande dor:  Em vez da grande invenção, 

- Traço vivo de união- Tornando em rápida fuzão. A terra uma só nação, Creara, sem perceber, da guerra um novo poder.

Ouvi seus gritos de agonia, os seus lamentos protestando com toda a grandeza de seu coração de brasileiro, perante todos os povos cultos, contra o aproveitamento de sua invenção como arma de guerra, para destruir em vez de construir.

Vislumbrei-o depois a definhar lentamente, desatendido e despresado por todos, até o dia da horrível tragédia final da sua vida de sofredor moral, narrada por Mattos Pimenta; Sobre o céu límpido e brando daquele majestoso dia de julho, voavam dois aviões da Marinha.

.... ao longe o Forte  de Itaipus espreitava o oceano. Na orla do litoral, tropas paulistas moviam-se vigilantes, em atitude belicosa.

Era constrangedor á nossa consciência o espectaculo daquelles elementos de guerra e de extermínio, mobilisados para uma luta encarniçada entre irmãos.

Foi certamente uma visão compungente, daquellas que levou Santos Dumont a desertar da vida, pendendo o corpo em uma gravata, no Hotel de Guarujá. Sobre sua mesa, escripta de seu próprio punho, encontrou-se a mensagem que ele dirigira pouco antes ao poso brasileiro e que assim terminava: ... Apello de quem, tendo sempre visado a gloria de sua pátria dentro do progresso harmônico da humanidade, julga poder dirigir-se em geral a todos os seus patrícios, como um crente sincero em que os problemas de ordem politica e economia que ora se debatem, somente dentro da lei magna, de forma a conduzir nossa pátria á superior finalidade de seus altos destinos.

Ao digno interventor Landry Salles, devemos agradecer por esse acontecimento prenunciador de progresso em nossa terra e tambem ao honrado prefeito dr. Theodoro Sobral, ao qual lembramos, sem que nos possam acoimar de intrometidos, o nome do glorioso inventor para o novel campo de aterrissagem, ao menos como uma das raras homenagens deste pais ingrato que tão pouco o tem glorificado e ao quel elle tanto elevou perante os olhos do mundo culto.

Floriano 13/6/1934
Eleuterio Rezende

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

FOLCLORE ÁRABE - FLORIANENSE

ATITUDE SUSPEITA Salomão Cury-Rad Oka Na época áurea do comércio árabe-florianense, os clubes sociais e os clubes de serviço se caracterizavam por sua exigência em selecionar os freqüentadores. Nos idos daquele tempo, fazer parte da seleta casta freqüentadora de agremiações como o Rotary Club de Floriano, Clube de Regatas, Maçonaria e o tradicional Floriano Clube ( foto ) demandava coleguismo, filantropia, caráter e, naturalmente, contatos sociais e dinheiro. Na boa e democrática Floriano de hoje, basta interesse em servir ou em aparecer. Aliás, atualmente, ter o “perfil” de rotariano ou de maçom é mais importante que ter dinheiro ou posição social. Durante um grande período do século XX, ser de origem árabe também era um fator importante a ser considerado ( talvez, por causa do enorme montante de valores que circulava nas mãos dos carcamanos ). Obviamente, existiam importantes famílias brasileiras que também eram partícipes dos movimentos sociais em Floriano. Assim, pode-se dizer que ...

Tempos de Natal

  Fonte: Dácio Melo (filho de Mestre Walter)   Véspera de Natal. Os mais velhos sentados na porta, todos animados conversando e os meninos ao redor sentados na calçada. E o Papai falou bem alto pra " todos ouvirem": - Ô, Inhá, é verdade que Papai Noel num visita minino  que dorme tarde na noite de Natal?  - E mamãe disse  "eu ouço isso desde que era pequena. É verdade" . Num demorou muito a molecada foi se levantando, passando as mãos  no fundo das calças e saindo de mansinho pra estebungar no fundo da rede. De manhã cedinho, era todo mundo revirando a cabeça pra debaixo da rede. Todo mundo ansioso pra saber o que Papai Noel deixara pra gente!  A rua amanhecia cheia de minino! Uns chutando bolas zeradas, outros puxando carrinhos pelas calçadas, alguns sentados  na calçada estirando as pernas pra mostrar os chinelos novos e os tiros de revolver de espoletas. Tudo isto ao som das notas amalucadas do violão do Tete! Ahhh, tempinho Bom!

Natal Retrô

Colaboração: Dácio Melo No início do mês de dezembro o clima mudava, o tempo mudava, no ar a expectativa pelo aniversário de Jesus!  As pessoas tornavam- se mais fraternas e mais alegres. E a meninada ansiosas pelas festas, bolos, bombons, refrigerantes, q-sucos supercoloridos, mas os brinquedos, ah os brinquedos! Eram o motivo maior da ansiedade.  Nossos sonhos giravam em torno da chegada do Papai Noel. O que será que ele vai trazer pra mim..... nas rodas de conversas todos falavam de suas preferências.......ah se ele me desse uma bola, daquelas boas que duram bastante.....eu queria um revolver de espoleta..... já eu queria uma caçamba, que aguenta carregar barro, areia e pedra.....eu me contento com uma havaiana amarela.  No dia 25 todo mundo acordava bem cedo e virava a cabeça por baixo da rede com o coração disparado de emoção pra ver a surpresa que Papai Noel deixara para nós! Fosse o que fosse, todos saiam a mostrar uns para os outros o que o bom velinho tinha nos d...