Por - Salomão Cury-Rad Oka
Havia, dentre os carcamanos de Floriano, uma personagem especial chamada Calixto Lobo. Era filho de uma das poucas cidades católicas na Síria, chamada de Khabab, que se situa na região de Houran, província de Dara, também transliterada como Ezraa por alguns geógrafos. Aliás, a grande maioria dos árabes de Floriano veio de Khabab, que fica a 60 Km ao sul de Damasco. Outros tantos vieram de outra cidade católica síria, chamada Maalula (uma das últimas cidades onde se fala o aramaico, que é o idioma que Jesus falava).
O nobre Calixto resolveu abraçar a pátria brasileira ainda cedo, sendo forçado a deixar em terras Sírias a esposa Carmen e a filha Afifa, a fim de procurar lugar seguro para a família longe das cruéis e violentas investidas do exército turco otomano na 1ª Guerra Mundial.
Chegando ao Brasil, Calixto Lobo estabeleceu-se como comerciante em sociedade com o patrício Salomão Mazuad. A loja prosperou, pois os sócios trabalhavam dia e noite, enquanto houvesse luz da usina de Maria Bonita ou de lampiões, para possibilitar o rasgar de tecidos. Não havia roupas prontas a venda no comércio. Os alfaiates e costureiras ansiavam por cortes de tecidos finos, para embelezar as damas da sociedade e vestir os varões fazendeiros e empresários com uma elegância toda programada pela fita métrica. Os tecidos mais simples tinham pouco valor, mas muita saída. Os matutos costumavam vir à cidade para comprar a peça inteira para vestir a filharada de uma só vez. Por outro lado, os tecidos importados eram caros, e só eram vendidos para clientes especiais. Houve muitas vezes em que se trocou um corte de calça desses tecidos por um ou dois bois da raça pé duro.
Assim, enriquecido e estabilizado, Calixto Lobo voltou à Síria para buscar a esposa e a filha, cerca de dez anos depois, salvando-as da insegurança que pairava na Síria de então, e trazendo-as para o sossego e paz das terras brasileiras.
O casal Calixto e Carmen teve 8 filhos que chegaram a idade adulta. O quarto filho se chamava Lafy.
Como era muito bonito e galanteador, não faltavam moças apaixonadas pelo belo Lafy. Especialmente quando ela punha seus olhos vívidos e de um profundo azul celeste sobre elas. Estudou arduamente, pois almejava a medicina ao invés do balcão no comércio paterno. Para incentivá-lo, D. Carmen, sua mãe, prometeu-lhe um carro se ele passasse no vestibular.
Acontece que Lafy, portador de uma mente brilhante, passou para Medicina no Rio de Janeiro, na Universidade do Brasil (atual UFRJ) e não tardou em cobrar a promessa. Oras, qual adolescente não cobraria? Especialmente em se tratando de um rapaz bonito, saudável e namorador. Foi falar com os pais. Explicou da dificuldade de um piauiense, filho de carcamanos, em passar no vestibular mais concorrido do Brasil de então. Ainda mais na primeira metade do século XX. Por isso, julgava ser merecedor de um carro, conforme lhe fora prometido por sua mãe. Mas o senhor Calixto era contra. Dar um carro para um estudante, a fim de fazer com que ele cumprisse nada mais que sua obrigação, seria um suborno descarado. Ainda mais para um sírio íntegro como ele. Exclamava irritado:
― Já “bensou”, Carmen? Lafy, de carro, no Rio de Janeiro, não vai estudar! Vai é namorar! Já é namorador a pés, imagine arrotando grandeza de carro! Não tem nem possibilidade! Que acinte!
O jovem Lafy ficou desconsolado! Esbravejou até que não iria mais estudar (logicamente apenas para desafiar o pai a cumprir-lhe o prometido).
Diante do impasse do marido em não pagar pelo carro apalavrado e como era uma síria, que, como a sertaneja brasileira, “não falhava no trato”, D. Carmen botou as economias para fora e comprou para o filho universitário um plymouth cupê zerinho estalando.
O rapaz não se continha de alegria. Seus brilhantes olhos azuis faiscaram mais ainda ao verem a pintura negra perolizada do carro importado. Mas ainda estava triste com a desaprovação paterna. Quando sua mãe percebeu esse desânimo, explicou a ela que o apoio do pai na compra de um presente tão desejado era-lhe muito importante, pois, afinal de contas, o pai era o cabeça da família.
Ao ouvir estas palavras tristes do filho, dona Carmen soltou:
― Liga não, “iá habibi”. Calixto “ser” cabeça “do” família, mas eu “ser” pescoço. Eu “estar” embaixo “de” cabeça, mas posso virar ela “bra” onde eu quero! Amanhã eu amanso ele. Agora aproveita teu carro e vai dar uma volta, meu doutor!
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Um comentário:
Lendo, relembrei as historias do Sr. Salamao contadas pelo meu pai e tio.
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