9/03/2019

Histórias do nosso futebol

REPLAY AO VIVO

São Paulo de Carlos Sá - 1964
no Campo do Artista





Danúnzio Melo
( na foto ao lado, ele é o centroavante aos 14 anos de idade / Texto de 1980 )

Já alguns anos nos separam daquela primeira meia década dos anos sessenta, mas ainda vive na minha memória aquele cômico episódio que passo a narrar.

O Campo do Artista era a praça preferida dos torneios e campeonatos de peladas que se notabilizaram pelas grandes expressões dos praticantes da modalidade, entre os quais a figura do meu amigo Vicente Xeba, que era conhecido como a maior expressão em termos  de arbritgem da época, e ficava orgulhoso ao escutar, aqui e ali, elogios como: Vicente Xeba tem moral e categoria...

Naquele tempo, pouquíssimos árbiros possuíam estes requisitos, o que era motivo de vaidade para o mestre do apito.

Lembro-me, era uma manhã quente de julho, pingava o meio dia e o sol era escaldante. Disputavam o torneio o Botafogo do Gusto versos Santos Futebol Clube. Jogo duro. Oitenta, oitenta e cinco minutos do tempo de contenda. Zero a zero. Jogadores sem fôlego. Xeba, apito na mão, elegante sobre suas pernas cambotas, comandava o espetáculo. De repente, Luiz Orlando, grande jogador de bola, lança da meia cancha a pelota para o narrador deste fato, que ficou de cara a cara com o excelente arqueiro Manoel Antonio, filho de Cirilão, que quando colocou a bola no canto esquerdo do goleiro, já a galera, de pé, teve o seu grito de gol embargado na garganta, pela determinação errônea do grande juiz, marcando impedimento. Ele não observara que o zagueiro José Geraldo, filho de Geraldo Teles, dava condição de jogo ao atacante, enquanto refrescava um pouco a cabeça sob a sombra do poste do seu próprio arco e, em meio ao tumulto gerado em face dos pedidos de explicação, todos estavam indignados com o erro daquele juiz que nunca errara. E, diante disso, aconteceu um fato interessante: o craque do apito não se deixou abalar. E digo eu: se é que existe o fenômeno da reencarnação, estou convencido de que naquele momento o corpo de Vicente Xeba foi possuído pelo espírito do grande sábio Salomao, pois, sem se constranger, ordenou que todos os atletas voltassem a se colocar nos seus postos de quando aconteceu o lançamento do meia armador Luiz Orlando, inclusive botando o zagueiro José Geraldo na mesma posição em que se enncontrava na hora e, fato continuo, mandou que se repetisse toda a jogada. E tudo aconteceu igualzinho ao lance anterior, só não acontecendo mesmo o gol.

Terminada a peleja, comentava-se, nos bastidores, que ficava debaixo dum pé de caju próximo: é um grande juiz... Um grande juiz!

Realmente, convencera a gregos e troianos. Até o próprio Xeba, que era um pouco retraído, despiu-se de sua humildade e cantou em prosa e verso: eu tenho é moral e categoria, eu tenho é moral e categoria...

Foi, realmente, o maior replay ao vivo que presenciei.

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