Jair Feitosa
Fazer projeções sobre composições políticas de alianças ou lançamento de pré-candidaturas em ano anterior a eleições numa cidade do porte de Floriano é sempre um exercício de conjecturas com fortes tendências a erro de diagnóstico. Faça isso qualquer pessoa, independente de matiz ideológico, que não pertença a grupos políticos restritos que, enfim, é que decidem mesmo sobre coligações e candidaturas políticas. A história não nos deixa esquecer que as características da maioria dos fatos que marcaram os momentos que antecederam as decisões são sempre recorrentes.
Quando alguns indícios apontam um caminho que visivelmente é óbvio, a partir de um cenário posto ou mesmo aparentemente posto, decisões de última hora dão rumo oposto ao que estava sendo projetado.
Interesses amplos e restritos, projetos, ambições pessoais, decepções, objetivos obscuros, ideais cívicos, solidariedade, egoísmo, cidadania e outras “cositas más” (de uns poucos) formam um panorama opaco que pode levar alguns, ou a maioria, a entender que a política compõe a dimensão do etéreo sem definição (sem leis ou regras). Ou nas palavras de Magalhães Pinto: “A política é como as nuvens. Você olha e vê um formato, mas quando olha de novo já vê outro”.
A indeterminação do cenário é culpa de quem olha a política e a vê em formatos diferentes em situações diferentes? Não. Essa compreensão da política como sendo algo do campo da indeterminação é fruto da pretensão autoritária de alguns que desejam causar nas pessoas a sensação da imprevisibilidade e, como consequência, a falta de apreço e indiferença em relação à política. Por quê?
Ora, se as pessoas em geral veem a política como algo assim sentirão que não vale a pena e, portanto, deve-se deixá-la nas mãos daqueles que têm tempo para se preocupar com isso. Desse modo, uns poucos aproveitam a indiferença da coletividade e tomam para si os rumos que a política (aquilo que deveria ser resultado da participação coletiva) “deve” ter e, assim, fique restrita às decisões “aristocráticas” (aristóis = os melhores).
Quando um grupo restrito se reúne com a pretensão de definir os candidatos (pré-candidatos), ou as possíveis composições de alianças para uma eleição e descartam a opinião dos demais membros que deveriam participar do jogo de “dar e pedir razões” num cenário que necessita ter uma amplitude muito maior, então esse grupo tomou em suas mãos a democracia como quem diz que as definições, leis e regras do jogo democrático não podem passar pelas “mãos inábeis” da coletividade, mas que será fruto da “sabedoria” dos “aristocratas”.
Crer que a política não possui definições, determinações, regras e leis, é supor que ela não tem história, não tem lógica. Estou usando a palavra história sem adjetivos (história da filosofia, história das ciências...) porque assim, segundo Roland Corbisier, me referirei “à história política, às lutas pela conquista do poder”. Desse modo história é sempre a história das civilizações e de uma cidade visando determinar a vida em sociedade através de lutas com regras e leis.
“Vi que tudo se prendia à política”, disse Rousseau. Então a história é a história da política e esta é a prática que revela o nosso próprio modo de ser. Se não praticarmos a política nunca seremos plenos. Seremos e viveremos como seres incompletos. A felicidade decorre também dessa vivência completa de nós mesmos, quem assim não vive é infeliz.
Tirar das mãos da coletividade o direito e o dever da construção de sua própria história significa transformar essa coletividade num bando de seres heterônomos e infelizes. Heterônomos porque os “aristocratas” decidirão tomar em suas próprias mãos as decisões políticas e os rumos da cidade. Infelizes porque perderão o direito de ser aquilo que Aristóteles definiu essencialmente como um “animal social e político”.
Dizer que política não tem lógica é dizer que as nossas decisões, ações e planejamentos sobre nossas vidas na pólis são atos definidos aleatoriamente e de um jeito qualquer a qualquer hora. Quem é minimamente perspicaz sabe que nenhum ser humano consciente vive a partir do pressuposto acima, que na verdade é falso.
Resta dizer duas coisas. A primeira é que é mentira que a política seja algo como as nuvens porque isso, na verdade, quer esconder os motivos, as razões que levaram os “aristocratas” a definirem esse ou aquele cenário político, esse ou aquele candidato e apresentá-los como a solução dos problemas que a vida na cidade nos enseja.
Segunda, é que se os cidadãos aceitarem as imposições sem questioná-las, sem avaliá-las, sem criticá-las estarão validando um jogo de interesses particulares dos “aristocratas” como se fosse o jogo dos interesses da cidade, de todos os cidadãos.
Assim as tentativas de configurações do cenário político florianense de 2012 pelos os que não fazem parte dos grupos restritos dos “aristocratas”, a partir das características históricas dos fatos políticos de nossa cidade, levarão as conjecturas, inevitavelmente, a receberem o carimbo de “erradas”. Erros porque nós outros não temos acesso prévio ao jogo de interesses que efetivamente definirão o cenário da próxima eleição. É daí que surge a falsa percepção de que política é como nuvem.
P. S.: O leitor perspicaz deve ter percebido que esse texto não é apenas uma crítica ao modo como se faz a política em Floriano, mas é, antes de tudo, uma demonstração de como se faz. Esqueça aquela história de “consultar as bases”.
JAIR FREITAS FEITOSA
Professor de Filosofia do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Piauí – IFPI, Campus Floriano.
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