Ubaldo Melo |
Ubaldo Melo |
Conto - Dácio Borges de Melo
O certo é que Danúnzio, Divaldo e nego Cléber foram a uma tertúlia que sempre ocorria naqueles fins de semana.
Terminado a festa, Divaldo e nego Cléber resolveram esticar a noite e Danúnzio tava escalado, por dona Lourdes, pra fazer a feira bem cedo, por isso rumou mais cedo pra casa.
Alta noite, no caminho de casa, tinha que encurtar estrada passando pelo beco das almas. Caminho estreito, cercado de mato, escuro que nem breu.
Antes de chegar no beco, bateu a mão no bolso e tirou o único cigarro que tinha, todo amassado, bateu outra vez a mão ns bolsos atrás de fósforo, em vão.
Enfrentar o beco tenebroso sem um cigarro pra iludir o medo era fogo. Mas foi o jeito, entrou nas trevas das almas, com o cigarrinho na mão, no ponto de qualquer barulho sair correndo a mais de mil.
O efeito da cachaça é que ainda lhe dava um rasgo de coragem. A passos rápidos, em meio a trevas totais, seguiu beco a dentro.
Na outra entrada beco, avistou uma pequena brasa dançar no ar, o que fez todo seu cabelo levantar! Logo a seguir se acalmou quando ouviu alguém assoviar uma música comum na época.
Certamente pra espantar o medo do afamado beco. Sem ninguém enxergar ninguém, ao se aproximar um do outro, Danúnzio perguntou com a voz arrastada..."tem fogo aí, meu amigo".
Danúnzio não viu, mas sentiu o cara jogar algumas coisas pra cima e com uma voz rouca gritar e disparar noite a dentro.
De manhã cedo já no rumo da feira, Danúnzio resolveu passar pelo beco pra ver o que resultou da noite assombrosa. Encontrou um pau de travessa, um côfo com peixes e outros espalhados, vara de pescar e outras coisas mais.
Filhos, netos e bisnetos, certamente ouviram muitas estórias de assombração.
Estava toda a família ali na calçada conversando, como era de costume toda tardinha. Eu e o Baldo dormíamos na casa da Dindinha e quando era cerca de 6:00 a 6:30, boquinha da noite, a Dindinha chamava:
- Daço, Ubálido, vamo durmir que tá na hora!
E muntava eu e Baldo cada num lado dos quarto. Tio Melo e papai (Mestre Walter) olhavam praquela arrumação e ralhavam:
- Mas siô, onde já se viu. Deixe de sê besta, dona Antonia, bote esses muleques pra andar!
E a Dindinha:
- Deixe, que os quarto é meu.
Aí eu e Ubaldo deitávamos a cabeça no ombro da Dindinha pra dizer que estávamos mortos de sono e que não nos aguentávamos em pé.
Ah, tempinho bom!
Dácio Melo (filho de Mestre Walter)
Matriz São Pedro de Alcântara
Matriz - Anos de 1960 |
Fonte: Chico Canguri
Regatas de 1964 |
Unidade Escolar Odorico Castelo Branco
(Foto)
U E Odorico C Branco |
EVOCAÇÃO DE UM PIONEIRO:
ODORICO CASTELO BRANCO
Djacir Menezes
A revista O espelho, que meu pai recebia, era
ilustrada por desenhistas que imaginavam as cenas violentas das trincheiras,
onde espocavam obuses e soldados se estraçalhavam para salvar as respectivas
pátrias e a civilização. A instrução militar, que a pregação do poeta Olavo
Bilac tomara obrigatória nas escolas, vigorava desde o curso primário. E como
não agüentávamos o peso do mosquetão, manobrávamoscom as carabinas de pau
fabricadas na Escola de Aprendizes Marinheiros,imitando fuzis e sabres. Foi
assim que aprendemos a marchar em ordem-unida,toques de cometa, baioneta
calada, ainda antes de entrar no Liceu do Ceará.
Tudo isso destinava-se a acendrar em nosso espírito
o civismo nascente.
Era no Instituto Miguel Borges. O diretor, a figura
que me impressionaria a vidainteira, chamava-se Odorico Castelo Branco; nascera
em 1876 na fazendaDesígnio, município de União, no Piauí. Órfão, ainda criança,
foi criado por sua tia Candida Rosa Leal Castelo Branco, em Teresina. Com ela,
que era professora, aprendeu as primeiras letras. No Colégio Nossa Senhora das
Dores, em Teresina, dirigido por seu tio Miguel de Souza Borges Leal Castelo
Branco, fez o curso secundário.
Concluído o curso, veio matricular-se na Escola
Militar do Ceará; trancando matrícula, fundou o Instituto Miguel Borges, em I!?
de junho de 1900.
De 1914 a 1919 fui aluno do Instituto - e quero dar
aqui um depoimento histórico sobre o esquecido e admirável educador, valendo-me
para isso do livro autobiográfico de sua ftlha Odorina Castelo Branco Sampaio,
Um minuto de silêncio,das notas que me adiantou e de minhas recordações
pessoais do grande educador.
A primeira conclusão que tirei dessa noviça
experiência, nesse período bafejado pelo espírito guerreiro, continuada depois
no Liceu do Ceará, foi em mim paradoxalmente desfavorável à formação de
inclinações bélicas. Os colegas, que acabaram o curso de preparatórios e
seguiram para a Escola Militar, obedeceram a outros motivos, entre os quais, o
principal seria a dificuldade de outra carreira, no Ceará desse tempo, que não
fosse a faculdade de direito ou as escolas de agronomia, de odontologia e
farmácia. Os mais abonados, iam à medicina, na Bahia. Recusadas as duas
oportunidades nativas, restava sentar praça no batalhão e ir ao vestibular na
praia do Realengo. Esse, o caminho de Moesia Rolim, Walter Pompeu, Landri
Sales, Juracy Magalhães, Jurandyr Mamede, José Brasil e outros.
Mas não desviemos o assunto. Quando meu pai me
matriculou no Instituto Miguel Borges, este ainda estava no casarão, um sobrado
na Rua Floriano Peixoto, no penúltimo quarteirão antes do Passeio Público: no
andar superior, habitava o diretor com sua ftlha única Odorina; no andar
térreo, espaçoso e didático, instalavam-se as classes do primeiro ao quarto
ano. Logo no ano seguinte (1916), o colégio mudava-se para a Praça Coração de
Jesus, esquinando com o parque da
Liberdade, grandes janelas abertas à luz e ao sol,
num amorável apelo à alegria e à vida. Ao meio-dia, recreio; após, ao içar da
bandeira, presente sempre o diretor, cantava-se o Hino Nacional e prosseguiam
as aulas até às três da tarde.
Creio que jamais houve diretor mais presente e
participante da vida de uma comunidade escolar. De uma autoridade impressionante,
assegurava, sem quaisquer recursos a
castigos físicos, exceção de alguns cocorotes nos mais irrequietos, atranqüilidade
e obediência do alunado. Recordando a sua figura, escreve a filha: R.C. pol.,
Rio de Janeiro, 32(4)170-1, agoJout. 1989 "lembro-me, entretanto, de sua
grande austeridade em todas as cousas, que era dotado de grande coragem,
extraordinariamente enérgico; de uma justiça ímpar e, ao lado de tudo isto, um
coração extremamente sensível." São, realmente, estes traços que ficaram
indeléveis na mem6ria das gerações que tiveram a dita de o teremcomo mestre.
O Prot: Castelo Branco era matemático: escrevera os
compêndios adotados no Instituto do primeiro ao quarto anos. Nestes, ao lado do
português e da geografia, a aritmética e a geometria figuravam no currículo
primário em todos os graus. Logo no primeiro ano, o aluno se familiarizava com
o manejo, no quadro-negro, do esquadro, da régua e de um enorme compasso de
pau, para resolver problemas simples de construção geométrica. Creio que foi a
infância sob efeito dessa pedagogia que me marcou o espírito, para sempre
inclinado ao estudo dessas disciplinas – e inspirou minhas primeiras direções
filos6ficas, no Liceu, para o positivismo e paraa estima de professores de formação
positivista, como Arquias Medrado e HenriqueAutran.
Essa estrutura curricular do colégio distinguia-o
dos demais estabelecimentos congêneres. Chamado ao quadro-negro, o aluno ouvia
invariavelmente a proposta: "dados duas retas e um ângulo construir um
triângulo, etc." ou coisa na espécie.
A geometria era ensinada pelo compêndio de Olavo
Freire. No quarto ano primário, apareceu-nos, na aula de português, o livro
cansativo de Afonso Celso, o Porque me ufano de meu pafs. Mas parece que no
intuito de corrigir aquele ufanismo físico, que se traduzia em rios, cachoeiras
e florestas as maiores do mundo,
havia, na parede da sala, ao lado de numerosos
mapas, estes dizeres definitivos: "A grandeza de um povo não se mede pela
sua configuração geográfica." – advertência que, depois, no alvorecer do
espírito político, ressoaria sempre na minhamente, pelos anos afora.
O Prof. Odorico Castelo Branco era villvo e adorava
a filha, que foi educada no Colégio da Imaculada Conceição, onde entrou logo
após a morte dele. De lá saiu mais tarde para casar com o Dr. Leão Sampaio,
médico de grande nomeada, nascido em Barbalha e deputado federal por mais de 40
anos, cercados ambos de numerosa prole de filhos e netos que, pelo estudo e
inteligência, escalaram altas posições sociais e políticas.
Faço agora uma pergunta. Com sua formação
matemática, seria o Prof. Castelo Branco um positivista? Não creio. Apesar de
conservar a fidelidade de longa viuvez à esposa tão cedo falecida, tal conduta
não deve ter obedecido às inspirações da Ureligião da humanidade." Julgo
que era um espírito independente, que o amor à filha ia cada vez mais
inclinando, como uma brisa mansa e suave, para as convicções cristãs. Quem ler
o Um minuto de silêncio,· tão repassado de ternura filial, biografia dessa
límpida personalidade de educador, surpreenderá o complemento afetivo, aspecto
omitido neste depoimento longínquo, feito com mais de 70 anosde distância,
testemunho de saudade e de gratidão àquela figura ímpar na hist6ria da educação
cearense.
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