|
Casarão dos Sobral |
Casarão do Doutor Theodoro Ferreira Sobral
Quando éramos crianças, líamos, o "Castelo Dourado da
Princesa", de Dominique Petit, livrinho de histórias infantis, comprado na
livraria de Dona Neném Machado. A partir, daqueles contos, começávamos a compor
fantasias, e erguer nossos castelos - alguns, até reais.Foi assim, que
imaginamos ser, o grande casarão, da esquina, hoje Avenida Eurípedes de Aguiar
e Rua Fernando Marques - a ampla residência do Dr. Theodoro Ferreira Sobral:
Uma casa mágica e cheia de encantos. O escritor José Nunes Fernandes, diz:"
Foi construída, em 1922, sendo a primeira casa, de Floriano, a ter jardim
exterior. O partido da construção é amplo e apresenta vários estilos
arquitetônicos, especialmente, nas duas fachadas: Principal e lateral"
Primitivamente, o gradil era todo de madeira torneada, formando um belo
conjunto. Hoje está modificado, por medida de segurança. No passado, o jardim
era bem composto, com roseiras,mulatinho contornando os canteiros, pés de
rosa-chá e um grande caramanchão, arredondado,coberto com madresilvas. Na
parte, do lado direito, a entrada principal, com terraço, e ornada de grandes
colunas toscanas. Via-se jarros enormes, com palmeiras, e uma jardineira de
cimento, cheia de lilázes míudas.. Se a memória não nos trai, mais adiante,
dando para o quintal, dos fundos, um pé de cajá.Ornando a entrada principal,à
direita, um grande jasmineiro; à esquerda,várias plantas, como: bugarís,
alfinete, rabo-de-macaco, e, na parte dos fundos, uma grande toceira, de zínias
(umbigo-de-viúva), formando uma cebe viva. Tudo, ali, ornava a mansão, com
esquadrias retas, em madeira, venezianas e bandeiras e composição, em vidraça
azul. Sonhávamos ali entrar, mas era impossível, esse sonho de criança. Víamos,
passando pela calçada, feita com grandes ladrilhos de barro (ainda existem
alguns retalhos ...), e, através das solenes janelas abertas, os móveis altos -
móveis D"Áustria, e o ornato dos quebra-luzes, em porcelana, que
balançavam, ao vento ... Ah! casa dos nossos sonhos! Viamos, ainda, o
velho patriarca Theodoro Sobral se embalando, na sua cadeira de embalo, toda em
palinha, com seu colete cinza e gravata vinho, com fios dourados. Austero,
nobre, elegante, a nós parecia figura de contos antigos. À porta, elegante, em
seu vestido azul marinho, a grande dama Sra. Eurídice Sobral. Ficava, de pé, na
soleira da sala, e era emoldurada pela luz mortiça, do grande abajour, que
pendia do teto, formando meia-luz, e refletindo, no grande espelho de cristal,
da sala, a imagem dos que entravam e saiam, Ali, naquela solar, grandes
acontecimentos se realizaram: reuniões, festas, conversas políticas, roda
familiar, para o cafezinho.
Passando, ali, hoje, vemos o grande casarão, que ainda guarda o antigo
esplendor. Tudo, porém, está quieto. O velho patriarca e a nobre dama já não
estão presentes. Tudo está entregue,ao tempo, e o tempo vai passando.
"Fugit irreparabile tempus" Só conseguimos ouvir a voz do silêncio. A
pintura azul da casa está esmaecida. O Jardim feneceu, em parte. o pé de madresilva
ainda se enche de flores miúdas e multicoloridas, e se mostra para ninguém;
mesmo assim, enche, o ar, com seu perfume adocicado Já não há, ninguém,
sob o caramanchão. Na entrada principal, o velho jasmineiro, de oitent'anos se
veste de branco, como um noivo e, com seu perfume suave, suave ...enche, o
trecho da Rua Fernando Marques, até à casa de Dona Teresa Sá e Kalume, de
deliciosa fragância.
No calor da tarde, lagartixas sonolentas se refrescam, entre a hera e o
muro. Pardais, em algazarra, fazem ninhos no topo das grandes colunas toscanas,
da entrada principal ou adejam, por sobre os pináculos pontiagudos, do frontão
do lado esquerdo, onde vemos, ainda, os altos relevos, em massa. Ai bate a
saudade. Volta, no filme da mente, o passado e história de Dominique Pettit;
nos sentimos impotentes, diante da ferocidade do tempo. Só nos resta, pois,
enchermos os olhos d'água ... como agora.
(O texto é de 1996. Acasa foi demolida. Ficou apenas a
dor da saudade, dessa linda casa)