FLORIANO – PRINCESA DO SUL
Por: Leyla Siqueira
Janclerques,
Com uma taça de vinho e a linda voz do Ney Matogrosso interpretando "Corra e olhe o céu" do Cartola, penso se sou capaz e merecedora de seu convite.
Logo eu que sou um tanto reservada e muito atrapalhada pra falar do que não seja técnico, mesmo assim com ressalvas, muitas ressalvas...
Porém,
"Linda, te sinto mais bela
Te fico na espera, me sinto tão só
Mas o tempo que passa, em dor maior, bem maior
Linda, no que se apresenta
O triste se ausenta
Faz-se a alegria
Corre e olha o céu
Que o sol vem trazer bom dia"
Ufa!! É melhor um novo gole que a noite tá fria e as minhas lembranças inexpressivas gritam com uma frágil voz.
Ei, você pode!! - Vamos lá
Como mesmo posso começar???
Era uma vez...não, não!!!
Existe um rio, um lindo rio a beijar uma pobre princesa e que tem um nome masculino. Epa, como assim!?
É a minha princesa, chama-se Floriano e tem um vizinho Barão.
Quanta nobreza, hein???
Mas nobre mesmo é sua gente, um povo culto, inteligente e elegante, humanamente elegante.
Quando eu vivia sobre seu calor, e que calor, não tinha quase nada na cabeça e no bolso... quase nada na vida.
Mas conhecia dos livros que tinhamos em casa, Fernando Pessoa, Machado de Assis, Jorge Amado, Camões, Érico Veríssimo, Otto Lara Resende e o melhor da nossa música.
Agora, vejo as janelas e portas abertas e sem grades da minha casa saindo som da velha vitrola de pés de palito. A incofundível Maysa. Eu não gostava. Relutava com tanta tristeza. Corria para o cais. Lá, sim, tudo acontecia. Encontrávamos os amigos, e como tínhamos amigos. Hoje, só colegas. Eram tantas as conversas, as novidades, tantos planos e mudanças desenhadas em palavras... jovens palavras.
E do que foi feito tudo isso?
Saí do teu calor, estudei, viajei por tantas terras, mares e outro amores.
Novas casas, novos livros e sons. Mas foi no Velho Mundo que me apaixonei pelo impressionismo e a maior incidência de luz que já vi foi nas suas margens e no seu crepúsculo.
Foi tão longe pra reconhecer que a paleta de Monet e Van Gogh estava lá entre julho e agosto derramando-se em tuas águas.
O cubismo ficava nas mãos das senhoras lavadeiras. Quantas cores a secar sobre seu cais.
"Roda mundo, roda gigante
Roda moinho, roda peão.
O tempo chegou de repente
Nas asas do meu coração."
Termino aqui a minha tela.
Aonde mais poderiamos ter tudo isso?
"Vagalume é como orvalho
Diálogos que disfarçam conflitos por explodir
Ela pode ser venenosa como, às vezes, o cogumelo é."
Clarisse Lispector.
E, como na velha canção, fecho a cortina do tempo, fecho meu pano de confetes, mas em Floriano soube que nunca acabou o Carnaval. Que amores se renovam, amizades se reconhecem, o calor entorpece e a tarde cai lentamente sobre o copo dourado e gelado e lá sempre se tem um bom papo.
Como mãe, as ruas e vielas reconhecem os pés de seus filhos, mesmo daqueles que não voltam. Deus do céu!! Mais uma taça, foi-se a garrafa. A noite corre clara e linda no porte e na cor. E com as minhas pobres palavras esqueci o tempo. Como uma borboleta triunfante ao sair do seu casulo,vou ao seu encontro e estendendo um pouco mais o meu braço, toco nos teus cabelos de princesa. E os meus pés chegam ao teu chão.
Caro amigo Janclerques, posso assim chamá-lo?
Não estando certa de que isso valha para algo e sentada como uma menina em uma forquilha de uma mangueira, lhe digo: caso ache alguma ultilidade, aceita essas palavras de uma anafalbeta em emoções. Quanto a Maysa, hoje gosto bem mais.
Foto: florianonet